Quero

"Eu quero mesmo é alguém me faça mudar completamente de opinião. Que faça meu corpo querer companhia nos momentos em que minha mente insiste pela solidão."

Só preciso

"Só preciso de companhia suave, bate-papos que me façam sorrir, algum nível de embriaguez e a sincronicidade: eu e você não acontecemos por uma relação causal, mas por uma relação de significados, que ainda estamos trabalhando."

Magia

Chorar por tudo que se perdeu, por tudo que apenas ameaçou e não chegou a ser, pelo que perdi de mim, pelo ontem morto, pelo hoje sujo, pelo amanhã que não existe, pelo muito que amei e não me amaram, pelo que tentei ser correto e não foram comigo. Meu coração sangra com uma dor que não consigo comunicar a ninguém, recuso todos os toques e ignoro todas tentativas de aproximação. Tenho vergonha de gritar que esta dor é só minha, de pedir que me deixem em paz e só com ela, como um cão com seu osso.
A única magia que existe é estarmos vivos e não entendermos nada disso. A única magia que existe é a nossa incompreensão.

Deixa acontecer

"... anyway, que aconteça, que deixe marcas boas ou más, lembranças, tristes ou alegres, n'importe quoi. Que deixe material para o baú da memória, penso sempre assim, até nas maiores saias justas ..."

Bem assim

"Quem procura não acha. É preciso estar distraído e não esperando absolutamente nada. Não há nada a ser esperado. Nem desesperado."

Verdade

"Eu só queria que você soubesse do muito amor e ternura que eu tinha — e tenho — pra você. Acho que é bom a gente saber que existe desse jeito em alguém, como você existe em mim"

Girassol e Mel

"Ela não suportou olhar tanto tempo. Virou de costas, debruçou-se na janela, feito filme: Doris Day, casta porém ousada. Então ele veio por trás: Cary Grant, grandalhão porém mansinho. Tocou-a devagar no ombro nu moreno dourado sob o vestido decotado, e disse:
- Sabe, eu pensei tanto. Eu acho que.
Ela se voltou de repente. E disse:
- Eu também. Eu acho que.
Ficaram se olhando. Completamente dourados, olhos úmidos. Seria a brisa? Verão pleno solto lá fora.
Bem perto dela, ele perguntou:
- O quê?
Ela disse:
- Sim.
Puxou-o pela cintura, ainda mais perto.
Ele disse:
- Você parece mel.
Ela disse:
- E você, um girassol.
Estenderam as mãos um para o outro. No gesto exato de quem vai colher um fruto completamente maduro."

Amém

"Eu não estou esperando por esse homem que não é só esse mas todos e nenhum como uma sede do que nunca bebi sem forma de águas apenas na estreiteza do aquiagora eu espero por ele desde que nasci e desde sempre soube que na hora da minha morte misturando memórias e delírios e antevisões um pouco antes a última coisa que perguntarei seria um mas onde está mas onde esteve esse tempo todo (...) Então você sempre esteve aí uma vida de procuras sem te achar e silêncio para então morrer de morte morrida sem volta de vida gasta marcada de muitas cicatrizes de vida retalhada por muitos cortes mas nunca mortais a ponto de impedir este ridículo ate na hora de minha morte amém."

"Eu, tu, ele" - Morangos mofados

Dói

"No vácuo de mim eu me despenco. Porque seria preciso também abdicar de mim mesmo para novamente reconstruir-me. Tornar a escolher os gestos, as palavras, em cada momento decidir qual dos meus eus assumir. Já esfacelei meu ser, já escolhi as porções que me são conveninentes esquecendo deliberado as outras. E são elas – serão elas? – que agora se movimentam revoltadas, pedindo passagem em gritos mudos, na ânsia de transcender limites, violentar fronteiras, arrebentando para a manhã de sol. O tremular da chama é um aceno, convite para chegar à verdade última e íntima de cada coisa.
Não quero. Não posso restar nu, despojado de mim mesmo. Não posso recomeçar porque tudo soaria falso e inútil. As minhas verdades me bastam, mesmo sendo mentiras. Não é mais tempo de reconstruir.
Em luta, meus ser se parte em dois. Um que foge, outro que aceita. O que aceita diz: não. Eu não quero pensar no que virá: quero pensar no que é. Agora. No que está sendo. Porque pensar no que ainda não veio é fugir, buscar apoio em coisas externas a mim, de cuja a existência não posso duvidar porque não a conheço. Pensar no que está sendo, ou antes, não, não pensar, mas enfrentar e penetrar no que está sendo é coragem. Pensar é fuga: aprender subjetivamente a realidade de maneira a não assustar. Entrar nela significa viver.
Sôfrego, torno a anexar a mim esse monólogo rebelde, essa aceitação ingênua de quem não sabe que viver é, constantemente, construir, não derrubar. De que não sabe que esse prolongado construir implica em erros, e saber vivier implica em não valorizar esses erros, ou suavizá-los, distorcê-los ou mesmo eliminá-los para que o restante da construção não seja abalado. Basta uma pausa, um pensamento mais prolongado para que tudo caia por terra. Recomeçar é doloroso. Faz-se necessário investigar novas verdades, adequar novos valores e conceitos. Não cabe reconstruir duas vezes a mesma vida numa única existência. Por isso me esquivo, deslizo por entre as chamas do pequeno fogo, porque elas queimam. E queimar também destrói…"

Amor

"Amor? Não sei. É meio paranóico. Parece uma coisa para enlouquecer a gente devagar."

Fazer o que

"E acontece que eu ainda sou babaca, pateta e ridícula o suficiente para estar procurando O Verdadeiro Amor."

Sempre tem alguma coisa...

Pego o metrô, vou conferir. Continua lá, a placa na fachada da casa número 1 do Quai de Bourbon, no mesmo lugar. Quando um dia você vier a Paris, procure. E se não vier, para seu próprio bem guarde este recado: alguma coisa sempre faz falta. Guarde sem dor, embora doa, e em segredo.

O Estado de S. Paulo, 3/4/1994

É verdade

“Quem só acredita no visível tem um mundo muito pequeno.”

Pra não se perder

"- Até quando for preciso. Estarei aqui.
- Talvez dependa de mim.
- Tudo tem seu tempo. Há o tempo deles, também. Eu sou a ponte para você, você é a ponte para eles.
- Tenho medo que você falhe. Porque, se você falhar, eu falho também. E eu não posso.
- Eu não vou falhar. Não porque não posso, mas porque não quero.

Os homens precisam da ilusão do amor da mesma forma como precisam da ilusão de Deus. Da ilusão do amor para não afundarem no poço horrível da solidão absoluta; da ilusão de Deus, para não se perderem no caos da desordem sem nexo."

Mais forte

“… Não compreendo como querer o outro possa tornar-se mais forte do que querer a si próprio. Não compreendo como querer o outro possa pintar como saída de nossa solidão fatal. Mentira: compreendo, sim. Mesmo consciente de que nasci sozinho do útero de minha mãe, berrando de pavor para o mundo insano, e que embarcarei sozinho num caixão rumo a sei lá o quê, além do pó. O que ou quem cruzo esses dois portos gelados da solidão é vera viagem: véu de maya, ilusão, passatempo. E exigimos o eterno do perecível, loucos”.

Memórias...

"Mas tantas memórias. A gente tem tantas memórias. Eu fico pensando se o mais difícil no tempo que passa não será exatamente isso. O acúmulo de memórias, a montanha de lembranças que você vai juntando por dentro. De repente o presente, qualquer coisa presente. Uma rua, por exemplo. Há pouco, quando você passou perto de Pinheiros eu olhei e pensei: eu já morei ali com o Beto. E a rua não é mais a mesma, demoliram o edifício. As ruas vão mudando, os edifícios vão sendo destruídos. Mas continuam inteiros dentro de você. Chega um tempo, eu acho, que você vai olhar em volta sem conseguir reconhecer nada."
Caio F.

Pressa

"Então baixou a pressa.
Não tinha mais um dia a perder, pois embora fosse muito cedo, começou a suspeitar que era também desesperadamente tarde demais."

Não sabia

"Não sabia que ia perdê-lo, não sabia sequer que iria encontrá-lo."

Dói um pouco

"Dói, um pouco. Não mais uma ferida recente, apenas um pequeno espinho de rosa, coisa assim, que você tenta arrancar da palma da mão com a ponta de uma agulha. Mas, se você não consegue extirpá-lo, o pequeno espinho pode deixar de ser uma pequena dor para transformar-se numa grande chaga."

Um dia encontro

"Pra ele, me guardo. Ria de mim, mas estou aqui parada, bêbada, pateta e ridícula, só porque no meio desse lixo todo procuro O Verdadeiro Amor. Cuidado comigo: um dia encontro."

Nenhuma vontade de ser feliz

"Mais triste: nunca mais nenhuma vontade de ser feliz dentro da gente, mesmo que essa felicidade nos deixe com o coração disparado, mãos úmidas, olhos brilhantes e aquela fome incapaz de engolir qualquer coisa."

Por situações como essa...

Por situações como essa, eu o amava. E o amo ainda, quem sabe mesmo agora, quem sabe mesmo sem saber direito o significado exato dessa palavra seca – amor. Se não o tempo todo, pelo menos quando lembro de momentos assim. Infelizmente, raros.

As nuvens, como dizia Baudelaire

Tenho um presente para vocês, o melhor presente de Natal que posso dar: uma história bonita. E com agá mesmo, pois é real, embora pareça mais uma estória naquele sentido de Guimarães, o Rosa. Contei-a só a duas ou três pessoas — trata-se de história meio secreta, discreta, para poucos — e se a conto hoje a vocês é não apenas porque o dia é especial, mas vocês também o são para mim. Acreditem.
Foi um sábado de setembro último. Era um daqueles dias de ventania descabelada da primavera gaúcha, e Déa Martins me convidou para ver o pôr-do-sol na Ponta do Gasômetro, na beira do Guaíba, onde os Oxuns se encontram. Sentamos na grama, ficamos olhando o céu, o rio, o horizonte verde das ilhas. Provavelmente fumei um cigarro, Déa deve ter falado dos problemas de produção com os Paralamas do Sucesso, lembramos de nossa amiga Stella Miranda ou inventamos mais histórias sobre as irmãs Salete, Bebete e Janete. O que quero dizer é que não houve mesmo nada especialmente prévio. Nenhum aviso, nenhuma suspeita. “Aconteceu sem um sino pra tocar”, como no poema do príncipe Péricles Cavalcanti que Adriana Calcanhoto canta e outro dia me fez chorar de beleza. Ríamos muito, isso é sempre o melhor com Déa: ri-se sem parar.
O vento espalhava rapidamente as nuvens pelo céu. Dissolviam-se em fiapos primeiro brancos, depois rosa, depois vermelho cada vez mais púrpura, até o violeta, enquanto o Sol ia-se transformando aos poucos numa esfera rubra suspensa. De repente observei: certa nuvem não se mexia. Apenas uma. Parada, branca, enorme, eu olhei desconfiado. E tinha uma forma inconfundível, qualquer criança veria. Desviei os olhos, falei sem parar, as outras nuvens continuavam a esfiapar-se. Aquela, não. Então, com muito cuidado eu disse: “Déa olha lá aquela nuvem.” Ela olhou. E disse: “Meu Deus, é um anjo.”
Sem gritaria, ficamos olhando a nuvem-anjo. Ninguém mais olhava para ela embora, apesar de discreta, fosse um escândalo.
Quanto às outras nuvens, continuavam a se esgaçar, virando sem parar elefantes, camelos, colinas, nuas mulheres barrocas, como é próprio da natureza das nuvens. Mas aquela, aquela uma não se transformava em nada diferente dela mesma, apenas aperfeiçoava a própria forma. Quer dizer: ficava cadavez mais anjo. Mais tarde, ao chegar em casa,tentei desenhá-la. Olho o desenho agora: a perna direita levemente dobrada, como num plie de dança clássica, a esquerda alongada para trás, num per. feito relevé o corpo se curvando suave para a frente, com o braço esquerdo erguido para o alto e o direito estendido em direção ao Sol. A palma aberta da mão direita se voltava para baixo, como se abençoasse o Sol que partia para o Oriente. Além de anjo, bailarino. E tinha asas, imensas, duplas, quádruplas, múltiplas, espalhadas em várias cores atrás dos cabelos longos. Estava lá parada no céu, a nuvem-anjo, abençoando o sol, o rio, o céu sobre nossas cabeças, a cidade longe.
Quase não falamos. Ficamos até supernaturais, espiamos outras coisas, remexemos nas formigas, namoramos à toa em volta. Vezenquando um espichava o canto do olho para avisar ao outro: “Continua lá”. E assim foi, até que o Sol sumiu, o azul- marinho veio vindo das bandas dos Moinhos de Vento, apareceu a conjunção Vênus-Júpiter em Escorpião. A nuvem? Continuava lá, imóvel. E sozinha. O vento era tanto que todas as outras tinham desaparecido, sopradas para Tramandaí, Buenos Aires, Montevidéu. Só restava ela, a nuvem-anjo, abençoando os últimos raios dourados. Começou a esfiapar-se também apenas quando levantamos para ir embora. Ao chegarmos ao carro, não havia mais nada além de estrelas no céu imenso da Lua quase cheia em Aquário.
Pensei: “Glória a Deus sobre todas as coisas”. Foi o único pensamento que me veio. Nem era direito pensamento, parecia mais uma oração.

O Estado de S. Paulo, 2/12/1994

O que fica

"Depois de todas as tempestades e naufrágios, o que fica de mim em mim é cada vez mais essencial e verdadeiro."

Deixando de ser

"Tem umas coisas que a gente vai deixando, vai deixando, vai deixando de ser e nem percebe."

Nem morri

"Oficializar o já acontecido: perdi um pedaço, tem tempo. E nem morri."

Foda-se

"Escuta aqui, cara, tua dor não me importa. Estou cagando montes pras tuas memórias, pras tuas culpas, pras tuas saudades. As pessoas estão enlouquecendo, sendo presas, indo para o exílio, morrendo de overdose e você fica aí pelos cantos choramingando o seu amor perdido. Foda-se o seu amor perdido. Foda-se esse rei-ego absoluto. Foda-se a sua dor pessoal, esse seu ovo mesquinho e fechado."